Personagem:
-TORCEDOR: Jovem, com barba (bem cuidada), cabelo igualmente bem cuidado –indiferente se curto ou longo-, jeans e camiseta da seleçao brasileira.
[De joelho em frente a uma imagem de Nossa Senhora. Reza.]
Minha Nossa Senhora, é um grande jogo, a grande final, e eu vim aqui pedir pra senhora colocar as suas maos nas chuteiras daqueles benditos atacantes. Aliás, nao sei se colocar a mao nas chuteiras dos atacantes ou nas luvas do goleiro.
[Pausa. Pensa.]
Bom, coloca uma mao nos pés do atacante e uma mao nas luvas do goleiro, afinal, prevenir... prevenir é melhor que remediar. Mas já que a senhora só estará com as maos ocupadas, aproveita e passa uma rasteira no atacante da frança, só pra garantir... só pra garantir! Se o nosso time jogar bem, ótimo, mas se o time deles jogar mal, melhor! Porque, acima de tudo, também facilitará o seu trabalho, né, maezinha. Sei que é feio pedir a desgraça alheia, mas, ah!, a senhora tem que entender, é final, é A FINAL, a graaaande final.
Só dá pra contar com a senhora, de fato, porque a nossa seleçao vai de mal a pior: é cirurgia pra cá, escândalos sexuais pra lá, explosao da balança acolá. Isso sem falar no técnico! Ok, ok, ele trouxe o time até a final... mas já tá na hora d pendurar as chuteiras, a senhora nao acha? [Espera, como se ela realmente fosse responder] Sabia que a Senhora ia me dar razao. Modéstia a parte, eu sei tudo sobre futebol, poderia ser eu no lugar desse aí, comandando a nossa seleçao – entendo tudo de passe, estratégias de ataque e tudo o mais que a senhora imaginar. Juro pra Senhora: comigo esse time nao perderia uma! Aliás, esse time? Nem seria esse time, caríssima. Eu cortaria logo uns cinco desses pernas de pau que tao aí. falo pra Senhora que meu irmao manco corre melhor que eles. PUTA QUE PARIU!
[Silêncio. Expressao de culpa]
Desculpe... sei que, na sua santa presença, usar essa linguagem é até uma blasfemia, mas, ah!, futebol pra mim é coisa séria! Vou dizer: daria cada fio da minha barba por essa vitória! Dria um olho, um pulmao, um rim – afinal, pra que dois?! [Meia risada - pensativo] E sabe do que mais, Nossa Senhora?! Eu prometo que vou doar um rim se se a gente ganhar! É! [com cara de orgulhoso, como se tivesse fazendo a melhor coisa do mundo – começa a se afastar da Santa, como que saindo de cena – volta em um impulso.] Pensando bem, rim é uma coisa que nunca se sabe até quando vai funcionar. O pai do vizinho de um amigo meu doou um rim pro cunhado e, um ano depois, o rim que sobrou começou a pifar e ele processou o cunhado pra conseguir o rim de volta. Mas também... cunhado? Logo pro cunhado? Eu deixaria morrer, acho. [Senta no chao, pensativo. Ajoelha de novo] O rim nao, tá decidido! Porque... a Senhora entende, né?! Eu posso realmente precisar dele a qualquer momento, nunca se sabe... nunca se sabe! [Silêncio] Doo metade do fígado – é isso! Porque, a Senhora deve saber, o fígado cresce de novo, dizem, e aí nao tem problema. Bom, assim será: a vitória por meio fígado! [Dois passos em direçao à saída, para. Meia volta.] Ultimamente... eu tenho bebido muito e... acho que preciso do fígado inteiro pra dar conta da comemoraçao do título! Ah! A Senhora sabe, a Senhora sabe! [Senta-se. Pensa.] O cabelo! Claro, o cabelo! Nao que eu queira oferecer à Senhora o que tem menos valor, mas... o cabelo cresce de logo e, além disso, tô oferecendo de coraçao e acho que isso conta, nao conta?! [Pausa] É isso, vai ser o cabelo! [Sai]
[Um instante fora de cena. Volta]
Ai... o meu cabelo faz tanto sucesso... ele faz parte da minha imagem de sucesso, sabe?! Se eu chego careca pra trabalhar na segunda, vai ser a piada da semana, eu nao vou aguentar, eu nao vou aguentar. Além disso, meu cabelo faz muito sucesso com as mulheres, elas adroram passar a mao enquanto estamos no trânsito [fala sempre passando a mao no cabelo, com ar de prazer – porta-se como se fosse um grande sedutor], adoram passar a mao nele durante o banho, fazendo escorrer a espuma do shampú por entre os dedos da mao. A Carlinha gostava, inclusive, que eu passasse o cabelo nos pés dela na hora das preliminares, coisa que eu nunca entendi, de fato. Mas a questao é: a senhora tem que entender que meu cabelo é importante demais pra mim. A Senhora entende, né?! [O silêncio de quem aguarda a resposta] Sabia! A senhora sempre foi muito compreensiva comigo. Bom, acredito na Senhora, vou rezar pela vitória e, como a Senhora sempre foi muito boa pra mim, vai me dar essa vitória de presente, nao é mesmo?! [Faz o sinal da cruz e sai.]
[Apagam-se as luzes por um instante. Ilumina-se em um extremo até entao escuro um pequeno rádio – começa a narraçao dos últimos momentos do jogo Brasil X França. Corta e pula direto pro anuncio da vitória da frança. Silêncio.]
[Apagam-se as luzes novamente indicando o fim do ato.]
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2 comentários:
Bora colocar isso em cena heim, gostei mesmo
divertidíssimo!!!
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