segunda-feira, 24 de maio de 2010

Alice.

Era uma vez um menino que queria ser original.

Tinha um presente pra embrulhar e não sabia com o que - não queria os clichês de papéis azuis com ursos, bolas, pipas ou cavalos, queria algo que tivesse um significado (e na soma com seu devido significante virasse um signo) e resolveu fazer testes. Tinha em suas mãos um exemplar de Alice, numa bonita -na sua visão- edição de Alice, que tinha por sua vez os dois livros, com as ilustrações da primeira edição; era uma edição assim roxa e amarela, capa dura e desenhos d'Alice e do Gato. Cogitou algumas vezes usar uma das várias caixas de presente que tinha em seu guardarroupas (e em vários momentos esse mesmo menino tem dúvidas sobre as novas regras da nossa querida língua portuguesa), mas achou tudo muito sem graça e abortou rapidamente a idéia, como já abortou tantas outras nas últimas horas. Repensou se não deveria voltar aos papéis de presente expostos na papelaria do lado da sua casa, mas viu no fundo do armário um velho exemplar do Rascunho; na capa uma bonita definição de literatura, algumas cores que davam alegria à folha e decidiu que aquele seria o abrigo do presente. Cortou moldou e grudou, afim de que ficasse esteticamente agradável e afim, também, de que as palavras do surrado jornal ficassem descentralizadas no embrulho.

Escreveu então a dedicatória. Rabiscou rapidamente, como se o que escrevesse fosse um fluxo interminável que era apenas psicografado pelas suas gélidas mãos – e no fim, o que pareceu interminável na sua cabeça, não logrou passar de uma página, na realidade. O que ele fez? Apoderou-se das palavras de um jovem poeta que numa noite incerta conheceu, poeta esse que escrevia de forma singela, mas que sempre tocava nos pontos que para ele soavam como por si próprio vividos – sentia dor quando o poeta sofria, gargalhava quando ele estava feliz; escolheu dele alguns versos que pareciam ter sido escritos sobre coisas que o menino recém havia passado... mas logo percebeu que o poeta estava distante e não poderia estar falando sobre ele. Na última página, arriscou colocar um poema seu. Pensou muito em qual deles caberia para tal presente... talvez nenhum deles fosse a resposta correta, mas optou por um que até então não tinha mostrado a ninguém.

Em cinco minutos o pacote que demorou tanto tempo para ser pensado e moldado foi aberto, de uma forma tão cuidadosa que nenhum rasgo, pequeno que fosse, apareceu na folha do jornal muitas vezes lida. O menino afastou-se então e deixou que o receptor agora desfrutasse do que tinha nas mãos, que aproveitasse o presente que tinha muito mais ligação com o tempo atual do que o próprio nome, e na busca de uma fuga para sua existência controlada, encontrou o mundo dos espelhos.

2 comentários:

dan disse...

"viver a felicidade, amar - de verdade - só se for a dois...

Eu digo: O mundo é azul!
Qual é a cor do amor"?

Julius disse...

No momento o amor é negro.